sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Tornar o mundo dos humanos humano


[nosso] Senhor Jesus Cristo, o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai Gl 3b-4


Jesus nasceu, morreu e ressuscitou para tornar o mundo dos humanos de fato humano. É muito querer isso? Tornar o mundo dos humanos humano é algo divino.

Para tornar humano o mundo dos humanos Jesus Cristo iniciou, como enviado especialmente de Deus para isso (Lc 4.43), o processo revolucionário e insurgente do Reino de Deus. Mas os (des)humanos que mandam no mundo dos humanos não concordaram com essa vontade divina e condenaram Jesus Cristo à morte por querer tornar o mundo dos humanos humano.

Tornar o mundo dos humanos humano após Pentecostes é tarefa revolucionária (Rm 14.17) de cada pessoa batizada e crente no Cristo ressurreto. Tornar o mundo dos humanos humano é tarefa do Espírito Santo que criou um coletivo – a Igreja – para ser líder nessa luta revolucionária de tornar o mundo dos humanos humano ao tornar todas as pessoas iguais, livres e irmãs pela fé e pelo batismo. O próprio Deus se tornou humano para tornar o mundo dos humanos humano. Mas os (des)humanos da classe dirigente proprietária privada dos meios de produção decidiram que tornar o mundo dos humanos humano é subversão abominável e por isso condenaram o Deus humano Jesus Cristo à morte pela subversão (Lc 23.1-5) de tornar o mundo dos humanos humano.

Günter Adolf Wolff

Palmitos, SC

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Quo vadis IECLB?


Se você não gosta de coisa subversiva como o Evangelho de Jesus Cristo e os documentos teológicos da IECLB é melhor não ler este texto.

 
Quo vadis IECLB?

 
Tenho falado muito sobre o assunto a seguir, mas como a realidade ainda não mudou o retomo.

Neste texto falo de algo totalmente subversivo e altamente perigoso que está engavetado: os documentos teológicos oficiais da IECLB.

Você não precisa concordar com minha análise, mas olhe para ela a partir dos campos em que você já atuou no passado e do atual e a partir da realidade dos colegas de seu sínodo; ouça o que eles dizem e compare esta análise com a sua. O que precisamos é abrir uma porta de diálogo a partir de nossas diferenças e semelhanças pelo bem do Evangelho e da Igreja de Jesus Cristo no Brasil e olhe para todos os fatos de diversos ângulos; analise a palestra do Nelso Weingärtner feita na 1ª Convenção Nacional (que foi feita a partir de pesquisa entre colegas) e por fim construa a sua análise.

Às vezes as pessoas pensam que estou baixando o pau nas pessoas com cargos eletivos da Igreja, não estou. Apenas procuro tentar fazer uma análise da realidade da Igreja para entender o seu processo de constituição e funcionamento para que a Igreja possa ser o mais fiel possível ao Evangelho de Jesus Cristo. As pessoas da administração e de cargos eletivos quando assumiram já herdaram “os pecados estruturais da Igreja” e estes pecados são de todos nós; importa saber quais são, como se constituem e como combatê-los. Se alguém se ofender com minhas análises, lamento, mas está equivocado em sua reação, pois precisamos conhecer bem a nossa realidade eclesial e a realidade brasileira para podermos da melhor forma desempenhar nossa missão de anunciar o Evangelho do Reino de Deus ao povo brasileiro. Se não conhecemos a nossa realidade vamos se ineficazes na execução de nossa missão evangelizadora. Nosso inimigo é o capitalismo, como fala o Manifesto Chapada dos Guimarães, que também se inseriu na dinâmica da Igreja e deve ser combatido em todas as frentes, pois ele quer dar a linha teológica na e da Igreja, mas quem dá a linha teológica da Igreja é o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, o Servo, que constrói o seu Reino a partir das vítimas do sistema deste mundo, como nos lembra Paulo em 1 Co e os próprios Evangelhos.

Vejo no Movimento Popular, aqui no caso o MST e também o MAB e outros, coisas semelhantes à primeira comunidade cristã. Um dirigente liberado do MST de SC recebe 1 SM ao mês como ajuda de custo e outros liberados recebem de ajuda de custo menos que isto e normalmente todos recebem esta ajuda de custo um mês sim outro não pelo simples fato de não haver dinheiro disponível. Este doar-se à causa da Reforma Agrária (que faz parte da causa do Reino de Deus) lembra as lutas dos primeiros cristãos na formação de novas comunidades para viabilizar a construção desta nova sociedade de iguais que é o Reino de Deus. São os apóstolos e apóstolas de hoje na luta por uma nova sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. Isto lembra o apóstolo Paulo que fabricava tendas para sobreviver enquanto percorria as cidades do Império Romano. Em At 24 nos é dito que o mundo o via como uma séria ameaça ao status quo (o Evangelho do Reino de Deus sempre é uma ameaça ao status quo ou deixa de ser Evangelho de Jesu Cristo, conceito que na Igreja me parece que anda meio esquecido): 5 “Porque, tendo nós verificado que este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos nazarenos, 6 o qual também tentou profanar o templo nós o prendemos [com o intuito de julgá-lo segundo a nossa lei”.

Esta é a essência do Evangelho do Reino de Deus: a insurgência revolucionária permanente frente o sistema deste mundo, no tempo de Paulo e de Jesus Cristo o Modo de Produção Escravista e hoje o Modo de Produção Capitalista. Para o MST a luta pela Reforma Agrária faz parte da luta maior contra o Capitalismo no intuito de participar da construção de uma nova sociedade igualitária que Marx chamou de Comunismo, o povo andino chama de Sumak Kawsay, o povo guarani chama de Terra sem Males, muitos povos africanos chamam de Ubuntu e os cristãos chamam de Reino de Deus. É tudo igual? Não, os conceitos não são todos iguais, mas o sonho por uma nova sociedade onde todas as pessoas tem o controle dos meios de produção e são irmãs e onde a natureza não é mera mercadoria é igual.

Paulo fala disto em Rm 8.22 “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. 23 E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. 24 Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? 25 Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos”.

O que é igual é o espírito insurgente e revolucionário que perpassa o Evangelho do Reino de Deus e as práticas teóricas dos movimentos revolucionários da classe trabalhadora e dos povos originários.

Eu adoto a concepção de Reino de Deus que o Frei Betto uma ver falou nos anos 80 em Chapecó, eu só mudei o desenho num esquema onde as esferas se interligam; se você está numa destas esferas você está participando da construção do Reino de Deus:

A Igreja que não participa das lutas do Movimento Popular, Sindical e dos Partidos Políticos de Esquerda nunca vai compreender a radicalidade insurgente e revolucionária do Evangelho do Reino de Deus e da Cruz de Cristo (Lc 23.2,5: Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei. Ele alvoroça o povo, ensinando por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui.). Igreja não inserida nas lutas do povo explorado tem poucas condições de pregar livre e retamente o Evangelho de Jesus Cristo, pois está atrelada aos que dirigem a comunidade/paróquia que normalmente são da pequena burguesia conservadora da cidade que representa o capital: ACI, CDL, Sindicato Rural, Maçonaria, cooperativas do agronegócio. Ou a Igreja rompe com esta direção ou continua vendendo o Evangelho, mesmo que inconscientemente. Igreja que não faz análise constante da conjuntura da sociedade e da própria prática eclesial dificilmente vai acertar a sua ação missionária. Quem erra na análise (ou não a faz) erra na prática, acertar por sorte ou intuição é difícil. Por que a Igreja não faz análise de estrutura e conjuntura do capitalismo? Porque isto escandalizaria profundamente a pequena burguesia que manda nas paróquias que defende o capitalismo como única forma de organizar a vida e a sociedade (esquecendo que o Evangelho propõe o Reino de Deus como a outra forma de organizar a vida e a sociedade), pois se descobriria como acontece a exploração sob o capitalismo e quem explora quem e como acontece esta exploração e que o capitalismo vai acabar com a existência da humanidade se seguir no ritmo atual.

Não é toda pequena burguesia que é reacionária. Tenho experiência de pessoas que são da pequena burguesia e eram da direção da comunidade e da paróquia e que tinham uma enorme abertura às lutas do povo explorado e que não tentavam podar a pregação pura e reta do Evangelho, pelo contrário procuravam garantir a livre pregação do Evangelho e sofriam pressão do setor reacionário da pequena burguesia, mas não podavam a pregação e prática eclesial com o Movimento Popular. Não dá para jogar todo mundo no mesmo saco. Sempre há exceções, que infelizmente são exceções. Estas exceções mostram que há formas de resistir de forma organizada nas paróquias, mas para isto precisamos de uma constante análise da conjuntura local e nacional, tanto eclesial como social e de uma boa proposta e prática de formação teológica com o povo. A função da Direção da Igreja é possibilitar este espaço organizado de resistência nas paróquias para que a pregação do Evangelho siga livre. No entanto, não tenho visto a Direção da Igreja ter esta clareza, pelo contrário ela vive na ilusão ingênua de que não existe luta de classes, nem confronto ideológico de classes na Igreja e que a pastorada não tem medo e insegurança nenhuma. Esta visão e postura tem ajudado enormemente os interesses do capital, que, como diz o Manifesto Chapada dos Guimarães, não é coisa de Deus.

Conforme o testemunho bíblico e o Reformador Martim Lutero, a fé jamais ficará ociosa. Por conseguinte, os cristãos de confissão luterana são chamados a:

Renegar a ideologia que dá suporte à acumulação e concentração de riqueza em benefício de minorias e em detrimento do atendimento das necessidades básicas do ser humano e da manutenção da boa criação de Deus.

Renegar a adoração do capital e da religião do consumo como definidora do sentido da vida.

Renegar modelos econômicos que desconsideram a necessidade e urgência de um desenvolvimento auto-sustentável que preserva a vida no planeta.

Renegar todas as formas de individualismo voltado tão-somente para a auto-satisfação, desconsiderando a importância das relações coletivas e comunitárias, bem como o serviço mútuo e a solidariedade.” Manifesto Chapada dos Guimarães.

Tenho a impressão que o medo que permeia a Igreja também chegou à Direção da Igreja que como a pastorada nas paróquias está com medo da reação da pequena burguesia, que normalmente controla a direção das paróquias, e por isso não se arrisca a fazer uma análise realista da realidade nacional e eclesial. Faz-se de conta que vivemos num mundo eclesial em total harmonia e num mundo harmonioso. Igreja medrosa nunca vai ser missionária; Igreja que só consegue olhar para seu próprio umbigo nunca vai ser missionária. Basta ler o JorEv Luterano para ver como anda a prática e a teologia da IECLB; uma teologia umbelical introvertida. A Igreja tem que clarear e enfrentar suas contradições internas e teológicas como também de classe para sair da inanição. Não adianta negar-se a fazer uma leitura realista da realidade porque haverá a acusação de comunista. A melhor leitura da realidade é a descoberta feita por Marx. Não se precisa ser comunista para reconhecer isto.

No Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política" Marx diz:

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, as pessoas contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência da pessoa que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam essas revoluções é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para a sua existência.”

O que sustenta a vida da sociedade é a materialidade da sociedade (a sua produção material); a ideologia (o pensamento, a idéia) vem da materialidade, diz Marx. A materialidade do capital e sua dinâmica determinam a teologia na Igreja via pequena burguesia, isto tem que ser denunciado e enfrentado com a teologia da IECLB para construir outra prática comunitária inserida nas lutas do povo brasileiro. Temos que clarear a teologia oficial da IECLB nas comunidades estudando-a para combater o capital e sua teologia.

Esta é uma leitura a partir da base real da sociedade que é a sua produção material e sobre a qual se constroem as demais relações. Qual a teologia da pequena burguesia que manda na paróquia? Ela está baseada na produção material de nossa sociedade construída em cima da exploração de classe, por isso a comunidade não permite que se questione o capitalismo. A prática da vida material da pequena burguesia quer determinar a teologia da Igreja para que esta legitime a sua prática da vida material, que é a produção de mercadorias baseada na exploração de classe. Com isto quero dizer que Marx tem razão em sua leitura do mundo: “O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social”. Como Jesus Cristo fez a sua análise da realidade do povo que ele veio para libertar? Leu a realidade a partir da história de seu povo, a partir das denúncias proféticas, para ler a realidade de seu tempo, dizendo, segundo Lucas 4:

17 Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito:

18 O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,

19 e apregoar o ano aceitável do Senhor.

Em Mc 6.34 Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas.

Jesus parte da compaixão e da indignação em relação à exploração e opressão em que o povo vivia. As comunidades da IECLB conseguem ter compaixão e se indignar frente a realidade dos sem terra, dos povos indígenas, das remoções de vilas interiras para abrigar os projetos da Copa, dos atingidos por barragens para o capital se multiplicar à custa da miséria do povo? Para saber isto é só perguntar se a comunidade cede os seus espaços físicos para estes se reunir e saberás a quantas anda a compaixão e a indignação de nossas comunidades. No máximo elas se indignam contra as vítimas do sistema xingando-as de preguiçosas em vez de se indignar contra o que cria as vítimas. Falo disto num texto que podes acessar em http://comocalaravoz.blogspot.com.br/2013/10/comunidade-de-jesus-cristo.html. Lembro de um fato que me foi contado que numa comunidade do Nordeste havia umas 8 famílias não arianas que eram membros da IECLB e que moravam na favela, mas já há mais de dez anos eram membros da comunidade e participavam da vida da comunidade. E numa celebração de advento as 8 famílias estavam presentes e uma moça teve que ir ao banheiro que estava ao lado da cozinha e ela ouviu a mulher do pastor dizer o que estes negros e pobres favelados queriam nesta festa de advento, pois nem convidados foram. A moça contou isto à estas famílias e elas se levantaram e disseram o que houve e se retiraram em protesto e ninguém foi atrás para pedir perdão ou para visitá-las no futuro. Simplesmente foram excluídas. Não ariano, pobre e favelado na comunidade da IECLB já é demais! Eu lembro que em 1988 ao visitar o assentamento em Itaiópolis, SC, levei uma família luterana assentada lá para a casa do pastor de Taió conhecer, cuja paróquia era próxima ao assentamento uns 30 Km, e lhe disse que havia mais 12 famílias luteranas lá, que o estavam convidando para visitá-las e que ele poderia ali formar uma comunidade da IECLB. Ele nunca apareceu lá, simplesmente ignorou estas famílias por serem assentadas e empobrecidas. Algumas destas famílias foram para a IELB e as outras se tornaram católicas. Isto que o seu Movimento vive destacando a missão como algo prioritário.

Qual era a realidade material sobre a qual Jesus Cristo faz a sua leitura? Uma sociedade produtora que está empobrecida (devido a exploração econômica e da concentração da terra e a exploração dos tributos do Templo e de Roma), está cativa (prisioneira – não tem independência e nem liberdade - e escravizada fisicamente), está doente e ideologicamente cega por causa da opressão e exploração, há a necessidade de libertar os oprimidos (que é todo povo debaixo do imperialismo romano e oprimido pela exploração econômica e religiosa) e finalmente fazer a Reforma Agrária (no dizer de hoje) para ser fiel ao Lv 25. Este é o Programa do Evangelho Reino de Deus para revolucionar o reino do mundo. Isto começa segundo Mc 1.15 com arrependimento (conversão individual e coletiva) e fé no Evangelho do Reino de Deus, em oposição ao evangelho romano. Dentro deste contexto Jesus Cristo mostra que é fundamental uma abertura à todos os povos explorados e oprimidos para construir a revolução permanente do Reino de Deus, por isso conta o exemplo do estrangeiro Naamã e da viúva de Sarepta de Sidom. A revolução do Reino de Deus é universal e começa com as pessoas enfraquecidas e ainda por cima estrangeiras, não consideradas do povo eleito (Javé não começa por um povo [uma etnia], mas pela mediação de classe: as classes exploradas pelo modo de produção vigente) que segundo o texto são a viúva e o doente, que são os mais frágeis entre os oprimidos. Ao estar doente o general Naamã é uma pessoa fragilizada. Com isto Jesus Cristo está apontando para aconversão interna da “Religião” junto com a conversão do mundo político, econômico, cultural. A ‘religião’ que não tem misericórdia com os fragilizados é opressora não serve para participar da construção coletiva do Reino de Deus. Isto nos remete à conversão da Igreja (que não consegue ser como Mt 25 requer, pois não consegue acolher as vítimas do sistema econômico explorador) e da Sociedade que está construída em cima da exploração econômica e legitimada pela religião. Vivemos esta contradição na IECLB: uma Igreja com uma esmagadora massa de membros explorados pelo capitalismo, pois 83% da população economicamente ativa no Brasil recebe até 3 SM – quer dizer é pobre, pois não atinge o salário digno necessário segundo o DIEESE -, e o nosso povo está nesta realidade e não fora dela. Olham o fichario das comunidades e analisem membro por membro para ver quantos pertencem à classe trabalhadora (são assalariados ou autônomos), quantos são da pequena burguesia (classe média baixa e média) e quantos são ricos (lembrando que para ser rico no Brasil tem que se ter 1 milhão de dólares aplicados no sistema financeiro, ter uma casa e carro no valor de meio milhão de reais e ter uma renda mensal de 70 a 80 mil reais, pois muito pequeno agricultor com 40 ha de terra se considera rico).

Na exegese bíblica usamos as descobertas da arqueologia, da linguística, da história, da literatura, da geografia, também temos que usar as descobertas da economia política, caso contrário corremos o risco de não entender bem as Escrituras e nem vamos conseguir interpretá-las corretamente para a realidade de hoje. Não se precisa ser comunista para entender que o capitalismo não é coisa de Deus, basta partir do próprio Evangelho para entender isto. Jesus Cristo foi enviado para construir o Reino de Deus e não o reino do mundo (Lc 4.43; 8.1), mas na Igreja normalmente a pequena burguesia que controla o poder na paróquia quer que a pregação do Evangelho não denuncie o reino do mundo como algo que não é de Deus. A própria instituição não garante a liberdade de pregação aos pastores e pastoras pelos mecanismos legais de controle viabilizados pelo TAM e pela Avaliação que são intimidadoras. No Sínodo Uruguai uma pessoa do Conselho Sinodal afirmou (e não foi contestada pelo Conselho Sinodal presente) que o Conselho Sinodal não garante a livre e pura pregação do Evangelho, isto está por conta e risco de cada pastor/a. O Conselho Sinodal é a instância diretiva máxima, abaixo da Assembleia Sinodal, no Sínodo; é a Direção da IECLB no Sínodo. Se esta não garante e dá a sustentação para que aconteça a pregação livre e pura do Evangelho quem o fará? Não pregou o que interessa à pequena burguesia (defensora do capital, mesmo sendo devorado por ele pelo capital internacional) não terá o TAM renovado e terá Avaliação negativa e portanto terá de procurar outra paróquia para trabalhar, se encontrar e talvez tenha sorte e será reenviado para a nossa “Sibéria” onde poucos querem ir. Esta é a incerteza institucional que impede a Igreja de ser missionária, pois reduz o conceito de missão e de diaconia ao mero atendimento pastoral interno aos membros da IECLB. Ainda não nos livramos do fantasma do ser igreja de 1824: enviar pastores para as comunidades para atender os luteranos alemães. Isto reduz o conceito teológico missionário da Igreja que por isso não questiona a realidade envolvente que precisa ser transformada a partir do Evangelho insurgente e revolucionário permanente do Reino de Deus que requer uma nova ordem social, política, cultural e econômica para que as pessoas possam ser irmãs e iguais. Isto é uma exigência do Evangelho de Jesus Cristo antes mesmo de ter qualquer vínculo com o marxismo. Não precisamos ser marxistas para sermos revolucionários, basta assumirmos a radicalidade de nosso batismo reforçado pela Ceia do Senhor.

"Os antigos [pais da Igreja] disseram muito bem: ele [Jesus Cristo] não quis instituir o Sacramento [do Altar], a fim de que [somente] o coração o rece­besse espiritualmente, e, sim, para que também [fosse recebido] corporal­mente pela boca. Por isso, corpo e sangue de Cristo não deverão apenas redi­mir a esta [a alma] dos pecados, e, sim, também o corpo, no qual ainda exis­te muita imundície, a saber, pecado, morte. ... Desse modo ele [Jesus Cristo] dá alimento, para que [a pessoa inteira] seja alimentada pelo [via] corpo, para que não [fosse alimentada] apenas a alma, e, sim, o corpo, porque aqui nosso corpo participa do corpo de Cristo ... . No dia derradeiro, o que o verbo der­radeiro operou e o que o corpo e o sangue [de Jesus Cristo] operaram será o­perado também em meu corpo: força e vida, pureza, vida, e bem-aventurança, e o ser humano então se alegrará muito em Deus. Isso sucede em virtude do corpo e sangue de Cristo, quando o coração está alegre no Senhor ... então o corpo sente a alegria do coração - e transborda. Se isso ocorre a partir do corpo e do sangue de Cristo, o corpo [da pessoa que crê e comunga] já é meio espiritual, está renovado e livre da morte. Aí [a renovação, a libertação da morte] toma seu começo... . Por isso se deve gostar de falar disso como de uma outra medicina contra a morte e o pecado, contra a [morte] da alma e do corpo." Martim Lutero, D. Martin Luthers Werke - kritische Gesamtausgabe. 45 [1911/1964], 202.5-19.

O que temos atualmente na Igreja é a ditadura da pequena burguesia que usa dos instrumentos legais de repressão – TAM e Avaliação - para impor sua teologia: a teologia do deus capital. Isto tudo aliado à ingenuidade de boa parte da pastorada que normalmente não aprendeu a ler a realidade envolvente, pois isto não faz parte do estudo de teologia, em prejuízo do Evangelho. Somos enviados para proclamar o Evangelho insurgente e revolucionário de Jesus Cristo para dentro de um mundo que não conhecemos e nem entendemos e com isto estamos sujeitos a quem sabe o que quer, que manda nas paróquias: a pequena burguesia intransigentemente (com suas devida exceções) defensora do capital que exige que o Evangelho se adapte às suas dinâmicas. Por isso sonegar parte do Dízimo não é problema para parte desta pequena burguesia, pois no capitalismo não há ética. Por que haveria ética na Igreja se no capitalismo não a há? Como a pastorada em sua maioria não sabe qual é a dinâmica do capital acaba lendo um textinho e depois conta uma estorinha e fica apenas na conversa da conversão individual sem um compromisso de participar do processo coletivo da construção do Reino de Deus que se opõe ao reino do mundo, o capitalismo. Quem não se enquadra é enquadrado pela dinâmica repressora institucional.

Quanto mais fraca for a formação teológica da pastorada, quanto mais fraca for a organização da pastorada e quanto maior for a divisão entre a pastorada, melhor para a pequena burguesia que normalmente controla o poder na paróquia. Temos o Encontrão fragilizado e dividido, temos a PPL fragilizada e a esquerda atomizada, temos a Comunhão Martim Lutero reduzida a um espaço geográfico restrito ao leste catarinense, a APPI em processo de reconstrução, portanto ainda fragilizada, temos as COs esvaziadas de poder político e de diálogo teológico e um medo paralisante reinando no meio da pastorada. Ambiente perfeito para a direita deitar e rolar na Igreja. Portanto, a Reestruturação deu certo, certíssima! Objetivo alcançado! Como constatou a reunião oficial da Igreja em 2007, onde só os a favor foram convidados para aplaudir.

Se alguém não concordar com isto que mostre o ímpeto missionário da Igreja; a empolgação em dinamizar as atividades internas na Igreja e a nível ecumênico para que a IECLB seja uma Igreja de Jesus Cristo no Brasil engajada a partir da realidade do país e da América Latina ativa no processo revolucionário de construção de uma nação livre, independente, soberana com democracia popular para a defesa intransigente da vida de toda a criação de Deus; a sua voz e atuação profética por meio de sua participação ativa e massiva nos partidos de esquerda, nos movimentos populares, no movimento sindical e ONGs sérias e o crescimento numérico da Igreja fruto da sua atuação missionária diaconal a partir do empobrecidos (Mt 25; Mc 6.34-44; Lc 4; 1 Co 1.26-29), que são a maioria esmagadora de nosso povo luterano. Tudo isto consta na teologia dos documentos teológicos oficiais da IECLB. O único e ‘pequeno’ problema é que se algum pastor se arriscar a executar a risca na prática a teologia oficial da IECLB, segundo estes documentos teológicos oficiais, ele se verá em maus lençóis na paróquia e será avaliado negativamente e não terá o TAM renovado, se não for expulso antes da Avaliação e ninguém, nem o Pastor Presidente, poderá revogar esta situação. Tal é o poder ditatorial da pequena burguesia reacionária que controla o poder nas comunidades, principalmente da cidade, e da paróquia, com suas devidas e honrosas exceções. Esta situação se acentuou após a Reestruturação da direita neoliberal da Igreja a partir de 1998. Exemplos não faltam, basta ter ouvidos para ouvir e querer ouvir.

Diz no texto: “Unidade: Contexto e Identidade da IECLB – 2004”

“A Constituição da IECLB (art. 5º) coloca de maneira clara a base confessional da Igreja: em primeiro lugar, as Sagradas Escrituras, compostas do Antigo e Novo Testamentos, seguidas das confissões dos credos da Igreja Antiga, e, como confissões da Reforma, a Confissão de Augsburgo e o Catecismo Menor de Lutero. A Constituição também afirma a natureza ecumênica da IECLB, como vínculo de fé com as igrejas do mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.

Outros escritos relevantes para a unidade da IECLB, embora em nível descendente de importância, são:

a) os documentos normativos (Constituição, Regimento Interno, Estatuto do Ministério com Ordenação – EMO, Ordenamento Jurídico-Doutrinário – OJD);

b) os documentos orientadores (Nossa Fé – Nossa Vida, PAMI, A IECLB às Portas do Novo Milênio, A IECLB no Pluralismo Religioso);

c) manifestos e posicionamentos;

d) declarações conciliares;

e) cartas pastorais da Direção da Igreja.

Todos esses documentos e escritos, em seu conjunto, dão a feição oficial da IECLB.”

Se você é pastor/a da IECLB e não concorda com esta teologia oficial então sempre tem a Igreja Universal do Reino de Deus ou outras para você trabalhar. No meu Blog coloco alguns extratos de alguns destes documentos teológicos da IECLB que você pode acessar em http://comocalaravoz.blogspot.com.br/2012/09/a-teologia-da-ieclb.html se não acreditar no que estou escrevendo. A teologia oficial na prática é uma peça de decoração na Igreja; por outro lado as leis e normas são executadas, normalmente, à risca e nada pode ser feito se não se consultar primeiro os advogados (que em alemão se chama de “Rechts”anwälte) da assessoria jurídica. Tenho uma forte impressão que no tempo de Jesus havia algo parecido em relação à interpretação das Escrituras que partia da teologia do Templo de Jerusalém. Como nos diz Jesus Cristo em Mt 23.15 “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!”

Igreja que resiste em mudar a sua estrutura e suas normas já está morta, só esqueceu-se de cair. A Igreja resiste a eliminar as leis repressivas que podam o Evangelho e massacram a pastorada. Igreja que não ouve seus pastores que estão na base e não faz uma leitura constate desta realidade da base está cimentada e não é fermento na massa, é massa de uma construção que secou e enrijeceu. Não serve ao Evangelho, serve ao capital, que é coisa do diabo. A dinâmica do capital está dando a linha teológica na igreja via pequena burguesia conservadora que dirige as comunidades e paróquias e impede que o Evangelho seja fermento porque impede a teologia da IECLB ser concretizada na Igreja. Igreja que só olha para seu umbigo está na UTI, o JorEv Luterano é sinal desta internação na UTI, só fala do umbigo e não do corpo todo que é a realidade do povo brasileiro. Se não sairmos da UTI vamos morrer, é só questão de tempo. Estamos condenados a sermos mortos-vivos, zumbis.

Temos que reler e estudar novamente os documentos que contém a teologia oficial da IECLB para não morrermos. A teologia oficial não é conhecida pelos membros e nem pelos pastores. Tem que ser estudada na EST e nas COs nos sínodos. Por que não se estuda a teologia da Igreja? Porque a maioria não concorda com ela porque nos questiona em nossa prática alienante na paróquia.

Analise se nossos grupos nas comunidades (OASE, Legião, etc) estão inseridos no processo de luta do povo brasileiro em direção à esta nova sociedade que Jesus Cristo chama de reino de Deus ou se servemà si mesmos e reproduzem a ideologia dominante. Tem grupo de OASE que não empresta “sua” louça nem para o grupo de JE poder fazer uma janta de confraternização.

Precisamos nos desamarrar do medo que grassa no meio da pastorada. Isto se faz 1º com clareza teológica e 2º com a liberdade dada pela instituição para que se possa pregar livremente o Evangelho. Uma Igreja na qual reina o medo de pregar livremente o Evangelho que liberta da opressão deste mundo (o capitalismo) está em sérias dificuldades e seriamente doente. A instituição tem que garantir a liberdade de pegar o Evangelho dentro dela ao menos, pois para fora se entende que o mundo não quer esta mensagem e vai perseguir quem a prega. Então esperar repressão de fora da Igreja é normal e entendível, no entanto, não se entende (entender a gente até entende) e não se admite se a repressão vem primeiro de dentro da própria Igreja, a partir de sua base e a partir de suas leis estruturais.

O Evangelho é insurgente e revolucionário por isso os grupos existentes e as lideranças das comunidades normalmente não admitem que o Evangelho seja fermento. Evangelho desestabiliza, não cimenta. A teologia da IECLB é fermento guardado nos documentos arquivados e empoeirados em nossas prateleiras. Para fornecer a oportunidade de leitura e estudo de alguns documentos teológicos oficiais eu pus a grande maioria, não todos, no meu Blog http://comocalaravoz.blogspot.com.br/2013/12/alguns-documentos-teologicos-oficiais_2558.html. Temos que desarquivar estes documentos teológicos e torná-los prática comunitária inserida nas lutas por vida do povo brasileiro massacrado pelo capital. Nossas comunidades fazem parte deste povo brasileiro explorado, pois mais de 90% de nossas famílias membros são da classe trabalhadora, mas a baixa classe média manda nas comunidades e impõe a “sua teologia” e impede a teologia da IECLB ser fermento na massa.

A Direção da Igreja é uma das instâncias responsáveis para desarquivar a teologia oficial da IECLB e viabilizá-la para torná-la fermento insurgente nas comunidades inseridas na vida e lutas do povo brasileiro em direção à esta nova sociedade igualitária de irmãos/ãs que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, construído por Deus em oposição ao capitalismo e à teologia do deus capital.

Construir comunidade na IECLB é construir o Reino de Deus na medida em que a comunidade é fermento insurgente e revolucionário na massa da realidade brasileira. Construir comunidade é se inserir nas lutas do povo brasileiro e não fugir delas porque a pequena burguesia não o permite porque isto desestabiliza o capital. Fazer análise da estrutura e conjuntura eclesial vai revelar esta realidade eclesial subordinada ao capital e não a serviço do Reino. A estrutura da Igreja não pode ser determinada pela ideologia do capital, mas pela prática dinâmica do Evangelho do Reino de Deus inserida nas lutas do povo brasileiro, pois somos Igreja de Jesus Cristo no Brasil e não na Lua ou em Marte.

A partir do batismo e da fé cada cristão é um revolucionário insurgente que participa na construção do Reino de Deus e com isto ele luta contra o reino do mundo, o capitalismo. Quem participa da construção do Reino de Deus (pois foi marcado pelo batismo para esta tarefa) não pode defender como forma única de se organizar a vida a proposta do inimigo. Nesta esquizofrenia vivemos na Igreja. Confessa-se Jesus Cristo como único Senhor e canta-se hinos de glória à Deus, mas diz-se que não há outra forma de se organizar a vida e a sociedade além do capitalismo. Não apenas se diz isto como se vive isto e ai do/a pastor/a que disser o contrário! Aí a chibata da Casa Grande estala! A Senzala não tem nada de contradizer a fala da Casa Grande.

Nossa dificuldade eclesial é na verdade histórica, pois a IECLB surgiu do processo de acompanhar as famílias luteranas alemães no Brasil dentro da política imperialista alemã do Alldeutschtum (o pangermanismo, principalmente a partir de 1871) e não para participar da transformação desta realidade na qual foram jogadas no Brasil pela dinâmica excluidora do capital internacional. Aí a partir de 1970, a partir de nossa ingenuidade sincera, fomos apenas acompanhar as famílias luteranas na Amazônia e não para lutar contra a realidade do capital que ali se instalava usando este povo como “boi de piranha” do capital. Estamos há 190 anos “acompanhando” os membros sem nos inserir e nos insurgir contra o processo de sua exploração e opressão para acabar com o capital que é uma exigência do Evangelho (sempre lembrando, com suas devidas exceções). Até o período de transição da Reestruturação houve muitas experiências insurgentes na IECLB que partiam dos Distritos Eclesiásticos e das Novas Áreas de Colonização, mas aos poucos estas foram minguando, minguando e hoje são pouco expressivas pela Igreja afora. Ainda as há pela graça de Deus, mas não estão mais na pauta dos Sínodos e não são mais discutidas nas COs.

Como, por exemplo, a Igreja se posiciona diante da realidade do agronegócio (que é um nome mais bonito para o latifúndio produtivo aliado à indústria) do qual nosso povo está inserido (produzindo carne, grãos e fumo) e está sendo explorado por ele? O agronegócio é a forma de ser do capital no campo. Como vamos clarear isto para o nosso povo que está sendo “embretado” por ele? A pequena burguesia que dirige as comunidades, principalmente nas cidades, não quer que se clareie a realidade opressiva do capital no qual nosso povo está “embretado”. Temos muitos exemplos onde no Conselho Paroquial se disse que não se fala de sem terra e de índio na paróquia e o/a pastor/a para ter o que comer tem que acatar a “ordem do capital”, pois a instituição não lhe dá garantia na pregação livre e reta do Evangelho. Se não se submete vai para a rua via Avaliação e TAM e a instituição não garante o enfrentamento com os representantes do capital na comunidade. Assim a Igreja não está em movimento, mas está morta circulando ao redor de seu umbigo. Em movimento significa estar inserido no processo revolucionário do país. Somos, como Igreja, fermento e não cimento. Na verdade somos que nem bezerro amarrado num poste que só consegue pastar em círculo conforme o comprimento da corda (quem ainda diz e define qual o comprimento desta corda são os representantes do capital do local). Não vejo, no momento, algum movimento para se romper com este círculo de dominação capitalista existente sobre e dentro da Igreja. Tá todo mundo encagaçado!

Só tem uma coisa que a história da humanidade tem mostrado: os períodos de opressão também acabam; os exílios também acabam. Demoram (já estamos há 20 anos neste processo), mas acabam. Até acabar este processo regressivo muita gente ainda vai ser moída no moedor do sistema eclesiástico vigente dominado pelo capital. Por enquanto não há misericórdia, sem fazer prisioneiros, é a ordem atual na batalha! Os que resistem: Werden alle abgeschlacht! (estou exagerando de propósito)

Quando analiso e critico a Igreja e sua estrutura então não vejo nas pessoas da Direção ou da Sr. dos Passos como inimigos. O nosso inimigo é o capital e não esta ou aquela pessoa na estrutura, pois na paróquia quem defende a estrutura sou eu, pois tenho que explicar como funciona o Dízimo (que não tem nada de neotestamentário, mas enquanto existir terá que ser recolhido e não sonegado), como funcionam as relações de poder nesta estrutura reestruturada, e assim por diante. Mas a nível de organização na Igreja: APPI, CO, Assembleia Sinodal, etc. luto para mudar esta estrutura neoliberal e suas leis repressivas dominadas pelo capital. Tenho convicção que esta estrutura tem que mudar porque virou cimento e faz o jogo do inimigo do Reino que é o capital, que sempre quer dar a direção teológica e da prática na Igreja. Temos que clarear como o capital age na Igreja e denunciar isto e enfrentar nossas contradições e clarear nossas contradições.

Grupo na comunidade que virou cimento do capital tem que reestruturar e mudar, se não quer tem que fechar, pois é sinal do capital e não do Reino. Manter a estrutura da Igreja não quer dizer que temos que nos ajoelhar diante dos representantes do capital nas comunidades que também vão galgando os postos dentro da estrutura: Sínodo e Conselho da Igreja. Nossa tarefa urgente é estudar a teologia oficial da IECLB e por em prática suas propostas a partir da realidade atual. Isto vai conduzir ao envolvimento direto nas lutas populares e sindicais. A luta educa. Educação é teoria e prática. Temos que resgatar a teologia oficial da IECLB para o povo empobrecido da IECLB se apropriar dela e tomar o poder na Igreja em todas as instâncias. Mas isto é fomentar a luta de classes na Igreja! gritará a direita capitalista. Como se a luta de classes já não estivesse presente na Igreja há mais de um século!

No tempo da ditadura civil-militar era presbítero entregando o seu pastor para o Dops, era membro do presbitério passando informações ao Dops do que se discutia e como se trabalhava na paróquia, o pastor Sílvio Meincke ao ser interrogado pelo Dops viu que o agente do Dops estava de posse de todos os estudos bíblicos que ele havia elaborado e entregue para as lideranças estudar nos grupos (como isto foi parar nas mãos deste senão via líder de grupo de estudo bíblico), dizem que até no antigo Conselho Diretor tinha gente com a carteirinha do SNI, é Conselho Paroquial ainda hoje dizendo: aqui na paróquia não se fala de sem terra e de índio. Isto por acaso não faz parte da luta de classes? É tudo conto de fada? Vamos parar com a hipocrisia! A espionagem não foi inventada pelo terrorista Obama.

Grupo na comunidade que não é missionário está morto, tem que enterrar! Como se é missionário na realidade brasileira dominada pelo capital? Não é só trazer mais uma pessoa para o grupo para cimentar esta pessoa junto, como nos lembra Jesus a respeito dos fariseus em Mt 23.15 “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!” Fazer missão diaconal é se inserir nas realidades locais que são fruto da conjuntura nacional e mundial do capital. Grupo de comunidade que não sai de seus muros está cimentado, tem que enterrar! Isto nos lembra João 12.24 “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”.

Jesus escandalizou os “cimentados” fariseus porque apontou para fora do judaísmo e da teologia do Templo de Jerusalém; quebrou com a teologia e prática “oficial” da “Religião”. No lugar da “Religião” Jesus Cristo trouxe o Evangelho insurgente e revolucionário do Reino de Deus que rompe com o reino do mundo, hoje, o capitalismo. Para poder ter forças para enterrar velhas práticas tem que ter clareza da teologia da IECLB. Temos três coisas subversivas na IECLB:

1.      O Evangelho de Jesus Cristo;

2.      A teologia luterana;

3.      A teologia oficial que consta nos documentos teológicos da IECLB.

Portanto, não está tudo perdido!

Jesus pregou o Evangelho do Reino de Deus nas ruas, no meio do povo empobrecido. Nós ficamos dentro dos quatro muros da igreja. Temos a massa, o povo trabalhador na Igreja e não falamos a partir de sua realidade de classe como Jesus o fazia nas parábolas, discursos e gestos. Insistimos na pregação truncada do Evangelho falando só da conversão individual e não falamos da 2º passo que é o engajamento coletivo na construção do Reino de Deus que é a inserção missionária diaconal na realidade das lutas por justiça e vida de nosso povo trabalhador, que é membro da IECLB.

A teologia oficial da IECLB fala destes dois passos: conversão individual e engajamento no processo coletivo, como resposta de nosso batismo e conversão, no processo de luta pela paz e pela justiça que nos insere no Movimento Popular, Sindical e Partidos de esquerda. A conversão individual tem resposta concreta de mudança que muda o coletivo, é só ler com cuidado a história do Zaqueu, isto que nem estou falando do apóstolo Paulo, que para o sistema era como uma peste de tanto que incomodava pela pregação e prática subversiva do Evangelho de Jesus Cristo.

Pregação e vivência do Evangelho do Reino de Deus pressupõe acabar com o reino do mundo, o que nos insere na revolução contra o capitalismo, instrumento do diabo. Se não inserir então serve a palavra de Lutero: “Olha para tua vida. Se não te encontrares, como Cristo no Evangelho, em meio aos pobres e necessitados, então que saibas que a tua fé ainda não é verdadeira, e que certamente ainda não provaste a ti o favor e a obra de Cristo”. Quer dizer que ter Jesus no coração, como alguns dizem, ainda não significa nada. Por causa desta inserção o capitalismo vai impor a cruz. O trágico é que quem 1º impõe a cruz na IECLB não é o capital, mas a própria Igreja via TAM e Avaliação à serviço da pequena burguesia que é a porta voz e defensora do capital, reino do mundo, na tentativa de impedir a pregação livre e reta do Evangelho de Jesus Cristo que aponta sempre para o Reino de Deus que propõe a revolução permanente para acabar com a organização deste mundo.

Nossas comunidades não se indignam diante das injustiças sociais que a classe trabalhadora sofre. Indignação e compaixão são sentimentos evangélicos, pois Jesus disse em Mc 6.34 “compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor”. J se indignou com o sofrimento e abandono do povo. João é radical dizendo: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão” (I Jo 3.10). nossas comunidades reproduzem normalmente a ideologia dominante e a própria dinâmica do capital, pois não abre seus espaços, seus prédios, para o povo que luta: movimento popular, sindical, partidos de esquerda. Isto é injustificável, pois para o Lions, Rotary, CTG, CDL, ACI, etc. a igreja cede seus espaços ou porque podem pagar um aluguel ou porque as pessoas desta organizações também são da diretoria da comunidade. Jc acolhia os da margem porque ele era da margem, um marginal. Paulo diz em 1 Co 1.28 que Deus vai reduzir a nada as coisas que são a partir das que nada são diante da e na sociedade. Deus age a partir da manjedoura e da cruz (da margem) e não a partir do poder da classe economicamente dominante que se expressa pelos que controlam os meios de produção e também a ideologia. Não é a ideologia da classe economicamente dominante que deve dar a direção teológica na comunidade, mas a teologia que está nos Documentos oficiais da IECLB. A coisa está assim que o/a pastor/a que se propõe a seguir em seu trabalho a teologia que está nos Documentos teológicos oficiais da Igreja não tem o TAM renovado e “roda” na Avaliação. A Direção da Igreja não consegue ver isto ou não quer ver isto, não sei. O TAM e a Avaliação são mecanismos repressores que a direita enfiou nos documentos normativos, nós na época não nos damos conta disto, para exatamente inviabilizar a prática teológica que parte da teologia dos documentos oficiais da Igreja. Temos que reconhecer que foi uma jogada de mestre da direita, que, cá para nós, nunca devemos subestimar.

Se a base da IECLB é a comunidade então ela tem que viabilizar a teologia inerente aos Documentos Teológicos oficiais da Igreja e não impedir a viabilização prática desta teologia e a substituir pela ideologia do capital que o Manifesto Chapada dos Guimarães denuncia e exige que se renegue. O papel da Direção da Igreja é viabilizar na prática comunitária a teologia oficial da Igreja que está nos Documentos Teológicos e Normativos aprovados em Concílio e pela Direção da Igreja.

Se a pastorada não se insere e não participa dos movimentos populares, sindicais e partidos de esquerda não estarão participando de espaços importantes do Reino de Deus em construção e terão uma teologia limitada e limitante capacidade de ler a realidade brasileira e com isto atrapalharão a construção coletiva do Reino de Deus feita por parte da Igreja, o que aumentará a alienação política da pastorada e consequentemente dos membros com sérios prejuízos à teologia e sua viabilização na Igreja.

Ou a Igreja enfrenta a pequena burguesia, a serviço do capital, que manda nas comunidades e paróquias ou estará condenada a vender o Evangelho para sempre. Pelo Regimento Interno da Igreja a pastorada tem a função de dar a direção teológica na paróquia por isso a Igreja tem que ajudar a libertar a pastorada do controle ideológico da pequena burguesia. Isto se faz com clareza teológica a partir dos Documentos teológicos oficiais da Igreja; agora, se o Conselho da Igreja, que deve zelar por esta teologia, não concorda com a teologia expressa nestes documentos então estamos realmente perdidos!

A pastorada com os membros tem que estudar estes documentos teológicos oficiais para destronar a pequena burguesia do poder das comunidades e paróquias que impedem a viabilização na prática da teologia da Igreja. a pequena burguesia, em sua maioria, não vamos conseguir convencer que a teologia da IECLB é evangélica e luterana e parte vai cair fora, mas vamos continuar a sermos fiéis ao Evangelho de Jesus Cristo. A opção é Jesus Cristo ou a pequena burguesia; a Igreja em que optar com quem quer ficar e a quem quer ser fiel. Temos que ler e estudar bem o Manifesto Chapada dos Guimarães. O TAM e a Avaliação são os instrumentos perfeitos para encagaçar a pastorada e perpetuar no poder a pequena burguesia reacionária na Igreja. É traição ao Evangelho não acabar com estas leis repressivas.

A pequena burguesia e sua ideologia/teologia também está nos Conselhos Sinodais e no Conselho da Igreja, pois são os representantes escolhidos da base comunitária que participam das Assembleias Sinodais.

Você dirá: na minha paróquia a pequena burguesia não manda na linha teológica. Pode ser que na sua paróquia, não, mas nas outras 90% das paróquias, sim; ali ela impõe a sua teologia legitimadora da dinâmica do capital internacional (expressa no campo pelo agronegócio e que se estende para a cidade pela agroindústria) que impede que se acolha os diferentes, os explorados, os oprimidos e não quer sair de seus muros e impede que a Igreja seja missionária-diaconal.

A contradição na Igreja é esta: quem defende a teologia oficial da IECLB não é bem visto nas paróquias e na Igreja toda, pois tem cheiro de subversivo e parece que destoa do geral e corre o risco de não ter o TAM renovado e por causa de sua prática teológica pastoral, que inclui fazer assessoria e participar do movimento popular, sindical e dos partidos de esquerda, não é bem avaliado na Avaliação. Não vejo a Direção da Igreja insistir em encaminhar as propostas conciliares que são frutos da teologia oficial no geral, com algumas exceções.

Não sei se os documentos teológicos oficiais da Igreja são estudados na EST, FLT e Fatev e nem sei se são critérios para o exame que os estudantes prestam antes de serem enviados às paróquias.

O que sei é que a Ditadura do Capital perpassa e transpassa toda a sociedade, também a Igreja, temos que ter claro isto para combatê-la. Temos que deixar claro que o capital é obra do diabo que procura cooptar a Igreja para seu projeto de exploração, de opressão e de morte. Uma análise do capitalismo vai mostar isto e uma análise eclesial vai mostrar como ele perpassa a Igreja. Talvez, por saber isto a Igreja não faz análise de estrutura e de conjuntura da realidade e da própria Igreja para que isto não seja evidenciado e combatido, além de se “esquecer” os Documentos Teológicos Oficiais da Igreja. A Igreja hoje no capitalismo faz o papel que no tempo de Jesus Cristo fazia o Templo de Jerusalém: legitimar o sistema econômico vigente. Por isso o Templo prendeu Jesus Cristo e o condenou à morte por “heresia”, pois a pregação do Evangelho do Reino de Deus é subversão a todo sistema econômico explorador e opressor.

A função da Igreja é ser Evangelho e não Religião, pois a Religião historicamente teve a função de legitimar o sistema econômico construído em cima de classes sociais antagônicas. A Religião é aparelho ideológico do Estado; o Evangelho é insurreição à este Estado, à esta Religião e à esta economia classista que é a base do todo.

 

Já que você conseguiu ler até aqui ainda vai conseguir ler o resto. Apresentei o texto abaixo em outubro de 2010 como meditação no Conselho Paroquial de Condor quando estavam reunidos para escolher o novo pastor/a para a paróquia (entreguei o texto por escrito para todas as pessoas para poderem acompanhar a leitura e levar para casa para reler e conferir os textos bíblicos citados) e no final perguntei se o Conselho Paroquial escolheria este pastor com este perfil. As pessoas se remexeram nas cadeiras, olharam para baixo e deram uma risadinha amarela e foram muito sinceras e disseram: Não.

Apresento o currículo do novo Pastor/a para a paróquia.

A sua Proposta de Trabalho baseada nas Sagradas Escrituras:

Propõe-se ensinar o Evangelho do Reino de Deus (Lc 16.16) para fazer o povo se revoltar subvertendo a velha ordem (Lc 23.2,5), baseada na injustiça, na violência e na desordem estabelecidas pelo capitalismo, para construir a nova ordem do Reino de Deus e vai pregar e falar para o povo não se conformar com este século (Rm 12.2) (com o capitalismo) e começar a construir, a partir da fé em Jesus Cristo (Ef 2.8), junto com o povo organizado e oprimido e seus aliados, uma nova sociedade (II Co 5.17), em oposição ao capitalismo, com as características que o Evangelho do Reino de Deus propõe (At 2.42-47; 4.32-37; Mt 11.4-6; Gl 3.26-29; Gl 5.1); vai questionar e anular o sistema tributário brasileiro onde os pobres pagam mais impostos que os ricos (Lc 23.2); vai ajudar a organizar os sem terra e os filhos/as dos pequenos agricultores para lutar pela reforma agrária e por uma política agrícola justa (Mt 5.5; Lc 4.18-19; Lv 25.8-17); vai insistir com todos para estudar as Sagradas Escrituras (II Tm 4.1-4; At 17.11) em cursos e seminários e exortá-los a viver segundo o Evangelho de Jesus Cristo e não segundo as propostas do deus capital (Mt 6.19-21; Ex 32.1-8); vai insistir para se “Renegar a ideologia que dá suporte à acumulação e concentração de riqueza em benefício de minorias e em detrimento do atendimento das necessidades básicas do ser humano e da manutenção da boa criação de Deus. Renegar a adoração do capital e da religião do consumo como definidora do sentido da vida.” (Manifesto Chapada dos Guimarães); não vai “atender” só os nossos membros da IECLB (Lc 4.43), mas vai conviver com a “ralé” (Lc 6.20-21; 15.1-2) acolhendo-a de braços abertos (Lc 15.20,32) trazendo-a para dentro da comunidade, para torná-los cidadãos (Ef 2.13-22): índios, caboclos, afro-descententes, sem terra, diaristas, desempregados, sacoleiros, ambulantes, sem teto, favelados, indigentes, mendigos, meninos e meninas de rua, estrangeiros, barrageiros, ribeirinhos, soropositivos (aidéticos), drogados, prostitutas, homossexuais, travestis, lésbicas e a massa sobrante e prescindível (Lc 14.21-24; 16.19-31) de nossa sociedade.

Este pastor é estrangeiro, não é ariano de descendência alemã, nem loiro de olhos azuis; é moreno, barbudo e não sabe falar alemão; não toca instrumento musical, não sei se sabe cantar bem para puxar os hinos no culto; sempre se apresenta vestido pobremente e sempre anda com os pés sujos e suados e as sandálias empoeiradas pela caminhada por caminhos, atalhos, ruas e becos da cidade (Lc 14.21-23); gosta de uma festa e tem fama de ser “um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!” (Lc 7.34); não vai fazer o “show da fé” no culto e nem vai contar estorinhas e mensagens românticas de autoajuda tiradas da internet para entreter o povo acomodado e entediado que vem participar dos programas da comunidade para passar o tempo ou para cumprir com sua “obrigação religiosa” para com esta igreja que para ele, na prática, é apenas uma “Associação Cultural e Recreativa com fins Religiosos”; mas a sua proposta vai trazer a perseguição (Mt 5.10-11), a prisão (At 26.10; II Co 6.4-10), a tortura (Hb 11.35-38) e a cruz para os membros (Mt 16.24; Ap 6.9-11; I Co 1.18-25).

O perfil deste Pastor chamado Jesus:

O Novo Testamento mostra Deus tornado pessoa em Jesus de Nazaré (Fp 2.5-11; II Co 8.9) numa estrebaria fora da cidade (Lc 2.7), como pertencente à classe camponesa, palestino, galileu (Mt 21.11; Mt 26.69), vassalo, súdito e tributário de Roma (Lc 2.1-2; Lc 3.1-2; Mc 12.13-17), mas sem cidadania romana, trabalhador braçal não qualificado (tekton = carpinteiro - Mc 6.3), sem terra, empobrecido (Lc 9.58), peão, bóia-fria, bastardo (Mt 1.18-25), sem teto (Mt 17.24-27 – morava de favor na casa de Pedro), leigo, asiático, migrante (Mt 4.23-25), subversivo (Lc 23.2,5), amigo de publicanos, pecadores (Lc 15.1-2), viúvas (Lc 7.11-15), leprosos (Lc 17.12-19) e prostitutas (Lc 7.36-49), vivendo na margem da sociedade (Mc 1.45) e com os marginalizados pela Lei (Jo 9.28-34; Jo 7.49: “Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita”.), pelo Templo (Mt 21.12-13), pela economia e pela política; tendo também, ainda por cima, como discípulos: mulheres (Lc 8.1-3; Mc 15.40-41).

 “Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação. Caifás, porém, um dentre eles, sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis, nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação. Ora, ele não disse isto de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos. Desde aquele dia resolveram matá-lo”. Jo 11.47-53.

Você acha que o Conselho Paroquial vai convidar este pastor com esta proposta e este perfil para trabalhar na paróquia?

Que pastor/a as comunidades da IECLB querem?

Segundo o que diz, com sarcasmo, Martim Lutero: “O pregador, como o mundo agora o quer, deve ter as seis seguintes características: 1. ser erudito; 2. ter boa pronúncia; 3. ser eloqüente; 4. ter boa aparência, para ser amado pelas mocinhas e senhoritas; 5. não aceitar, mas ainda por cima distribuir dinheiro; 6. falar aquilo que o pessoal quer ouvir”.

Numa segunda lista mais “positiva” Lutero diz: "Um bom pregador deve ter as seguintes qualidades e virtudes. Primeiro, deve saber ensinar direito e corretamente. Segun­do, deve ter boa cabeça. Terceiro, deve ser bem articulado. Quarto, deve ter boa voz. Quinto, boa memória. Sexto, deve saber parar. Sétimo, deve estar certo do que fala e ser aplicado. Oitavo, deve investir na sua tarefa o corpo e a vida, os bens e a honra. Nono, deve saber aturar o desprezo de todos".

O pastor tem que agradar aos membros ou a Deus? Dá para agradar aos dois? O que os membros querem é o mesmo o que Deus quer? O que Deus quer? O que os membros querem? O pastor tem que prestar contas à quem? À Deus ou aos membros? Primeiro à Deus depois ao Conselho Paroquial. Os critérios de avaliação do Conselho Paroquial frente ao pastor são as opiniões dos membros, as suas próprias ou as prioridades do Evangelho de Jesus Cristo ou tudo junto? Que peso as prioridades do Evangelho de Jesus Cristo tem na avaliação da proposta e do trabalho do pastor/a?

Quais são as prioridades do Evangelho de Jesus Cristo e da Bíblia?

Jesus diz qual é a sua missão em Lc 4.43: “É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado” (Mc 1.15; Mt 4.17) e em Mt 6.33 Jesus nos convida a participar de sua missão: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. Jesus mostrou a justiça do Reino de Deus colocando os que não podem se defender por si só em destaque no meio da roda e da discussão: a criança (Mt 18.1-5), o doente (Mc 3.1-6), o estrangeiro (Lc 10.25-37), a viúva (Lc 18.1-5), o empobrecido (Lc 16.19-31), os publicanos e pecadores [os considerados impuros] (Mt 9.10-13), os pequeninos (Lc 17.2; Mt 11.25-27; Mt 25.40) para que a sua situação de opressão e sofrimento seja afastada e tenham vida abundante (Jo 10.10). Com isto Jesus mostra que ele é o Deus encarnado que já no Êxodo 3.7-8 diz: “Certamente, vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento; por isso, desci a fim de livrá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel”. O AT (nos sete primeiros livros da Bíblia) fala que Deus anda com os hebreus sem terra escravos e os guia e os orienta na luta pela conquista da terra e na sua luta contra o Estado (Nm 20.14-21; Js 6-8; Dt 6.20-23), que é um instrumento da classe economicamente dominante para manter os seus privilégios e o seu poder (I Sm 8.10-18). Nos livros e textos proféticos Deus denuncia a classe economicamente dominante e o Estado por sua prática de opressão e espoliação praticada contra os pobres e os camponeses (Is 1.21-23; Mq 3.1-12; Am 2.6-8; 8.4-6). Cabe, pois à Igreja os papéis de denúncia e de anúncio profético, gostem os membros ou não, (ler o Manifesto de Curitiba, o Manifesto Chapada dos Guimarães e as decisões e mensagens conciliares dos anos 80) contra toda e qualquer situação que coloque pessoas em situação de desigualdade, injustiça e risco de ter a vida diminuída ou ameaçada ou coloque a criação de Deus em risco. Portanto, participar da Igreja de Cristo não é apenas batizar, confirmar, participar de alguns cultos ou festas e ter uma celebração de enterro cristã, mas é ter um compromisso ativo (Tg 2.26) com a construção desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus, como contraproposta de Deus à atual sociedade capitalista, que a Bíblia chama de “o mundo” (Tg 4.4) ou “este século”.

A partir da fé em Jesus Cristo e pelo batismo somos todos irmãos/ãs (Mt 23.8; Jo 20.17; I Jo 3.17), portanto, iguais (Gl 3.28), por isso lutamos contra as desigualdades em nosso país (Is 5.8; Mq 2.1-2), somos amigos (Jo 15.12-15) e concidadãos (Ef 2.19) do Reino de Deus. João é radical dizendo: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão” (I Jo 3.10). Praticar a justiça é defender quem não pode defender-se por si só (Tg 2.5-7). Isto significa defender empobrecidos, crianças, mulheres agredidas e ameaçadas, sem terra, sem teto, atingidos por barragens, desempregados, pessoas com deficiência, idosos, os que estão em trabalho informal, perseguidos políticos e a própria natureza agredida em sua biodiversidade por desmatamento, agrotóxicos, poluição, lixo, aquecimento global, etc.

No Dia do Juízo Final Deus vai perguntar ao pastor/a se ele pregou pura e retamente o Evangelho (Hb 4.12) e administrou corretamente os sacramentos ou se só falou o que a direita permite e evitou falar de certos assuntos que alguns membros não querem que neles se toque porque isto agride os seus interesses econômicos, políticos e à sua ideologia e com isso não defendeu quem não pode se defender por si só. A mesma pergunta Deus vai fazer à todos os membros da Igreja, porque também eles foram ordenados sacerdotes e sacerdotisas no batismo (I Cor 9.16 lembra: Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho!).

Qual a tarefa da Igreja (membros e pastor)?

As Prioridades da Igreja de Cristo.

Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus. Rm 3.21-24.

Segundo as Escrituras Sagradas as prioridades da ação da Igreja de Cristo são:

1ª prioridade da ação eclesial: é a tarefa da proclamação evangélica profética (I Co 14.1-5) de que a pessoa e toda a sociedade são e permanecem pecadoras (Mc 1.15), apontando os seus pecados individuais e coletivos, e de que Deus justifica, salva e recria a pessoa e a sociedade arrependida (Rm 1.16-17) pela mediação verbal (Mc 2.1-12; Mt 9.22; Mt 18.15-17; Lc 17.3-4), e também, pela mediação palpável e degustável dos sacramentos em meio a comunidade (Mt 28.18-20; Mt 26.26-28);

2ª prioridade da ação eclesial: é a explicação e o estudo do significado do sacerdócio geral de todos os crentes com a comunidade, consequentemente também o ensaio e a execução, na própria comunidade, do sacerdócio das pessoas que creem (I Pe 2.5,9) e foram batizadas, e, por isso, exercitam o sacerdócio comum (de todos os batizados crentes), mútuo (um é sacerdote para com o outro) e em conjunto (toda comunidade tem o ministério sacerdotal via batismo: o ministério da reconciliação - II Co 5.18-19);

 3ª prioridade da ação eclesial: é toda luta por justiça em favor da construção desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus em que nós nos engajamos a partir da fé em Jesus Cristo (Fp 2.5; Mt 25.31-46). Este Reino de Deus já começou (Lc 17.21), mas ainda não está completo e o será apenas na volta de Cristo no Dia do Juízo Final (II Pe 3.1-13; Ap 20.11-15).

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Risco de volta da direita?

"O que traria a volta da direita?", pergunta Ivo Lesbaupin. "Privatizações? Leilões do petróleo? de áreas do pré-sal? Avanço do agronegócio? Usinas hidrelétricas na Amazônia? Perda de direitos dos povos indígenas? Tropas militares para enfrentá-los? Código Florestal? Plantio de transgênicos? Aumento do uso de agrotóxicos? A não realização da reforma agrária?" E ele responde: "Tudo isso está sendo feito por este governo".

Segundo o professor da UFRJ, "existe uma direita mais à direita que este governo, sem dúvida. Que é possível piorar, é sempre possível. Mas que este governo está montado para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, também não há dúvida".

Ivo Lesbaupin é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. É mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ - e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França. É coordenador da ONG Iser Assessoria, do Rio de Janeiro, e membro da direção da Abong. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais O Desmonte da nação: balanço do governo FHC (1999); O Desmonte da nação em dados (com Adhemar Mineiro, 2002); Uma análise do Governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres (2010).

Eis o artigo.

A privatização do megacampo petrolífero de Libra (área de pré-sal) é um divisor de águas. Todos os movimentos sociais do Brasil, inclusive alguns muito próximos ao governo, se posicionaram contra. O governo se manteve inflexível e, copiando o governo FHC nas grandes privatizações (Vale, Telebrás), garantiu o leilão com segurança policial e tropas militares, de um lado, e batalhões de advogados da Advocacia Geral da União para derrubar liminares, de outro.

O governo deixou claro de que lado está.

Muitas das análises sobre os governos do PT (Lula-Dilma) partem do pressuposto de que houve antes um governo de direita, neoliberal, o de FHC, e que hoje temos um governo se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda, de coalizão.

Seria um governo em disputa, que ora tomaria medidas mais voltadas para os setores populares ora voltadas para os setores dominantes. Isto dependeria da maior ou menor pressão de cada um dos lados.

Este pressuposto leva a crer que este governo mereça todo o nosso apoio para evitar a "volta da direita". Porque esta volta traria políticas que não queremos ver novamente.

Os governos do PT indubitavelmente deram mais atenção ao social que os governos anteriores, como o aumento real do salário-mínimo e o programa Bolsa-Família, e reduziram fortemente o desemprego. A política externa é mais independente e também solidária com os governos progressistas de outros países da América Latina. E poderíamos citar uma lista de avanços ocorridos nos últimos dez anos, avanços que devem ser mantidos e devemos apoiar.

Há setores do governo que têm uma preocupação centrada na sociedade, nos trabalhadores, que se dedicam a uma maior democratização. Mas, infelizmente, estes setores não mandam no governo. E, na hora da cobrança, apoiam as grandes decisões (Belo Monte, Libra...).

Porém, se examinarmos mais de perto, o que nos impressiona não são as diferenças com os governos anteriores, são as semelhanças – cada vez maiores, à medida que o tempo passa. O governo FHC é considerado uma “herança maldita”. Mas a política econômica que privilegia o capital financeiro permanece de pé: os bancos tiveram mais lucros nos governos do PT do que antes. E estes governos introduziram medidas que favoreceram ainda mais os investidores financeiros ao isentá-los, em vários casos, de imposto. Não foi feita nenhuma reforma estrutural nas estruturas geradoras da desigualdade no país. No entanto, foram feitas reformas estruturais para atender aos interesses do capital, como a reforma da previdência do setor público, aprovada no primeiro ano do governo Lula.

Os recursos do país: para quem vão prioritariamente?

Se queremos saber para quem o governo trabalha, temos de examinar o orçamento realizado: para onde estão indo os recursos? Os recursos do país são destinados fundamentalmente ao pagamento da dívida pública, interna e externa, e de seus juros. A dívida externa chegou em dezembro de 2012 a 441 bilhões de dólares e a dívida interna a 2 trilhões e 823 bilhões de reais (cf. Auditoria Cidadã da Dívida). O orçamento realizado de 2012 mostra que 44% do nosso dinheiro foi usado para os juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que apenas 5% para a saúde e 3% para a educação. Em suma, o destino de quase metade do orçamento é a pequena camada mais rica do país – que são aqueles que recebem os juros da dívida -, além dos credores externos. Cada décimo de aumento dos juros pelo Banco Central significa maiores ganhos para os que já são muito ricos.

Portanto: o primeiro setor cujos interesses são atendidos é o capital financeiro (bancos e investidores financeiros)

Obras de infraestrutura: para as empreiteiras

Mas, há um segundo setor que é também privilegiado pelo governo: são as grandes empreiteiras – Odebrecht, OAS, Camargo Correia, Andrade Gutierrez... Elas estão em todas as grandes obras de infraestrutura do país, entre as quais as usinas hidrelétricas – Belo Monte é o exemplo mais notório – e até na do Maracanã. Em 1993, durante a CPI do Orçamento, o senador José Paulo Bisol havia denunciado a existência de um “governo paralelo” no país: eram as grandes empreiteiras, que distribuíam entre si as licitações das obras públicas. Denunciou, mas nada aconteceu... A maior parte destas obras são financiadas pelo BNDES, com recursos públicos, portanto.

Estas empreiteiras são também, junto com os bancos, as principais financiadoras das campanhas eleitorais. Este dado nos ajuda a entender o empenho do governo na realização de certas políticas – os megaprojetos, por exemplo, as privatizações, outro exemplo – e no impedimento de controles sobre o capital – a não realização da auditoria da dívida, por exemplo.

Portanto, o segundo setor cujos interesses são atendidos é constituído pelas grandes empreiteiras.

O agronegócio: o grande aliado do governo no campo

E há um terceiro setor que tem recebido muito apoio do governo: o agronegócio. O governo ajuda a agricultura familiar, sem dúvida, mas a proporção é de 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Esta é a razão pela qual, em dez anos de governos do PT, a reforma agrária não avançou: o principal aliado do governo no campo é o agronegócio, não os movimentos sociais. E certas medidas que favorecem este setor acabam sendo aprovadas no Congresso – o Código Florestal -, porque o governo não quer perder este aliado.

Portanto, o terceiro setor cujos interesses são atendidos é o agronegócio.

Povos indígenas: pedra no caminho do agronegócio, de megaprojetos de infraestrutura, de grandes mineradoras

O governo está ressuscitando a política indigenista da ditadura, para a qual "o índio não pode atrapalhar o progresso do país". O capítulo sobre os povos indígenas foi comemorado, na época, como um dos mais avançados da Constituição Cidadã. Pois exatamente os direitos destes povos originários ás suas terras estão sendo derrubados: pouco a pouco, a cada nova usina hidrelétrica, a cada nova lei ou portaria (ou código...), os direitos estão sendo violados e até as demarcações já feitas correm o risco de serem questionadas. Para atender aos interesses de setores do capital, este governo está desprezando os direitos dos povos indígenas.

O sistema tributário reprodutor da desigualdade social permanece

Por outro lado, o Brasil carrega outra “herança maldita”: o sistema tributário regressivo, que o governo FHC acentuou. Isto significa que, ao invés de distribuir renda, este sistema concentra renda, é um “Robin Hood” às avessas, tira dos pobres para dar aos ricos. É um sistema pelo qual os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos, porque nele o peso maior está no imposto sobre o consumo. Mesmo aquele que não têm renda para pagar imposto de renda compra bens, compra alimentos. E no preço dos bens está incluído o imposto.

Embora tenha introduzido pequenos avanços, no essencial esta herança de FHC foi mantida pelos governos do PT: a regressividade do sistema permanece. E a combinação de superávit primário (...) com a política monetária de juros altos incidentes sobre a dívida pública resulta “num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda dos pobres para os ricos de que se tem notícia na história do capitalismo. (...) Na verdade, o mais poderoso mecanismo de concentração de renda na economia é essa combinação de política fiscal e monetária perversa, onde o Estado atua como um redistribuidor de renda e de riqueza a favor dos poderosos” (Assis, 2005: 89) (1).

Um primeiro meio para mudar esta grave injustiça seria fazer uma reforma tributária, para tornar o sistema progressivo (os que podem mais, pagam mais). Mas o governo não fez isso: ao contrário, apresentou um projeto de reforma que não mexe no caráter regressivo e que cortará recursos da Seguridade Social, se for aprovada.

Haveria uma segunda maneira de reduzir a transferência de recursos para os ricos: seria a realização de uma auditoria da dívida pública. Ela provaria que uma parte da dívida que nós pagamos é irregular e isto reduziria substancialmente a sangria de recursos públicos. A única auditoria que o país fez, em 1931, concluiu que 60% da dívida não tinham documentos que a comprovassem. O mesmo aconteceu mais de 70 anos depois, quando o Equador fez sua auditoria, em 2009: 65% da dívida eram eivadas de irregularidades. Como a nossa dívida externa foi constituída principalmente durante a ditadura civil-militar de 1964-1985, quando o Congresso não tinha acesso aos documentos, há sérias suposições de que parte desta dívida é indevida. O que só uma auditoria poderia verificar e comprovar (a CPI da dívida evidenciou várias irregularidades que teriam de ser examinadas, mas PT e PSDB se uniram para impedir que esta CPI tivesse resultados).

Esta é uma exigência da constituição de 1988, a qual nem o governo FHC nem os governos do PT puseram em prática. Preferiram favorecer os poucos privilegiados que ganham com a manutenção do status quo. E desfavorecer os muitos que sofrem as consequências de os recursos públicos não serem empregados onde deveriam: pois esta é a razão da falta de recursos suficientes para a saúde, a educação, o transporte, o saneamento básico, para os serviços públicos em geral.

Havia ainda uma grande diferença entre o governo neoliberal de FHC e os governos do PT: as privatizações. No entanto, o governo Lula não fez uma auditoria das privatizações, como se esperava; não reestatizou nenhuma das empresas privatizadas, como fez o governo Evo Morales. O governo Lula privatizou algumas rodovias federais e o governo Dilma passou a privatizar tudo: portos, aeroportos, rodovias, hospitais universitários e até riquezas estratégicas como o petróleo.

O governo FHC havia quebrado o monopólio da Petrobras e 60% das ações desta empresa estão hoje em mãos privadas. O governo Lula não reverteu este processo. O governo FHC iniciou em 1997 o leilão das áreas de exploração do petróleo. Os governos Lula e Dilma não interromperam os leilões, apesar de reiterados protestos dos movimentos de trabalhadores, especialmente dos petroleiros. O governo Dilma promoveu o leilão de petróleo do campo de Libra – cujas reservas valem no mínimo 1 trilhão de dólares - e tem ignorado solenemente a oposição dos movimentos sociais. O petróleo é nosso? Não, parte dele será das empresas privadas e estatais estrangeiras que venceram este leilão, assim decidiu o governo brasileiro. É como se só devesse satisfação ao setor privado, às multinacionais: os interesses do país, as reivindicações dos movimentos populares não são prioritárias.

O que traria a volta da direita?

Privatizações? Leilões do petróleo? de áreas do pré-sal? Avanço do agronegócio? Usinas hidrelétricas na Amazônia? Perda de direitos dos povos indígenas? Tropas militares para enfrentá-los? Código Florestal? Plantio de transgênicos? Aumento do uso de agrotóxicos? A não realização da reforma agrária?

Tudo isso está sendo feito por este governo.

Com exceção dos líderes do PSDB, todos os líderes da direita são hoje aliados do governo: Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu...

Apesar de sua prática, de suas políticas fundamentais, o governo mantém um discurso de esquerda, de quem defende os direitos dos pobres e oprimidos e que "a direita quer solapar", "olhem o que a grande mídia diz de nós". Os movimentos de trabalhadores e demais movimentos sociais veem suas reivindicações desprezadas (povos indígenas), não atendidas (reforma agrária) ou mal atendidas (recursos para a agricultura familiar).

Movimentos sociais e entidades da sociedade civil precisam constantemente se mobilizar, denunciar, fazer pressão, para evitar perda de direitos, para evitar retrocessos maiores. E a maioria das vezes não o conseguem (Libra é apenas um exemplo).

Apesar da defesa e do apoio de alguns movimentos sociais, o governo nunca se sentiu obrigado a cumprir os compromissos assumidos com relação aos trabalhadores: nem a reforma agrária, nem a auditoria da dívida, nem a defesa das terras dos povos tradicionais...

A grande mídia é denunciada por autoridades públicas como parcial, agressiva, injusta com o governo, adepta de uma postura demolidora. Mas o governo nada faz para democratizar os meios de comunicação no Brasil, nada faz para quebrar o oligopólio existente, através da regulamentação do setor, que permitiria abrir o espectro das comunicações para outros atores. Por que? Porque, na verdade, apesar das críticas a aspectos secundários, a grande mídia apoia todos os projetos importantes do governo: o pagamento da dívida sem auditoria, os aumentos da taxa de juros (supostamente para conter a inflação), as usinas hidrelétricas na Amazônia, a transposição do S. Francisco, o leilão de Libra... As críticas da grande mídia mantêm a aparência de que os interesses da direita não estão sendo atendidos e que o governo é "de esquerda". A manutenção desta aparência interessa aos que querem se manter no poder. Na verdade, o governo receia a entrada em cena de outros meios de comunicação, capazes de trazer outras opiniões, de fazer a crítica a aspectos centrais da atual política. É por isso que, neste campo, tudo fica como está.

Existe uma direita mais à direita que este governo, sem dúvida. Que é possível piorar, é sempre possível. Mas que este governo está montado para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, também não há dúvida. Ele tem certamente várias políticas louváveis, faz o enfrentamento da pobreza, reduz a miséria, melhora a capacidade de consumo dos pobres com mais crédito. Mas não muda as estruturas geradoras da desigualdade social e, por isso, continua transferindo a maior parte da renda e da riqueza do país para os mais ricos do país e do mundo. E entregando nossas riquezas naturais para o setor privado e as multinacionais. Isso mostra claramente a quem este governo serve em primeiro lugar.

Nota do autor:

1.- ASSIS, José Carlos de (2005). A Macroeconomia do pleno emprego. In: SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole; Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, p. 77-93.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/525274-risco-de-volta-da-direita-